Hoje,dia 20 de dezembro de 2016, presenciei dois milagres.
O primeiro foi a unificação da classe musical. Normalmente,
músicos cuidam cada um de si mesmo - não sei porque, já que tocar juntos é o
fundamento da música, e deveria promover naturalmente um espírito de
colaboração. Talvez, depois de décadas (séculos, podemos dizer) de música
clássica sendo simplesmente um ornamento interessante da cultura ocidental (em
vez de uma parte fundamental dela!), a gente já perdeu qualquer esperança de que
podemos alcançar um patamar mais importante na sociedade. Ou talvez a razão seja a maldita competição
que o sistema impôs entre nós - como se a música fosse um esporte, para comparar
tempos de corrida ou alturas de pulo.
O fato é que músicos normalmente ficam na sua e não costumam
se mobilizar muito quando chegar a hora das demissões. Alguns vão à justiça
depois, exigindo umas recompensas a mais pela sua demissão. Como se o fato de
receber X em vez de Y depois de demitido vai melhorar a sua situação, que é -
desempregado. Sem sustento. E tudo isso porque um político em algum gabinete
deu uma canetada para diminuir a verba do seu corpo docente ou corpo artístico.
Só que essa vez não era só diminuição da verba - era
extinção total. Para salvar alguns milhões de reais, a Secretaria da Cultura
iria simplesmente destruir um das maiores e mais importantes orquestras da
America Latina - a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo.
E foi aí que o milagre aconteceu. Quando a notícia se
espalhou pela mídia social, a Banda recebeu o apoio quase unânime dos colegas
músicos de todo lado - de bandas regionais a maestros estrangeiros, incluindo músicos
de vários orquestras (inclusive a OSESP - a maior orquestra do Brasil!), a
pessoas que não tinham nada a ver com a música. No concerto improvisado de
hoje, na Assembléia Legislativa, vieram músicos e alunos do estado inteiro, com
o único objetivo de apoiar a Banda na sua luta por sobrevivência. E essa
demonstração de união conseguiu emocionar todo mundo, inclusive os deputados
estaduais.
O segundo milagre foi um outro tipo de unificação, talvez ainda
mais impressionante, dada a situação política no país. Alguns deputados
estaduais, dos mais diversos partidos, representando espectros políticos
diametralmente opostos, reconheceram a importância da cultura, deixaram ao lado
suas diferenças ideológicas e partidárias, e se uniram ao redor da salvação da
Banda Sinfônica. Em uma demonstração impressionante de vontade e força em
poucas horas eles conseguiram montar e aprovar uma medida, destinando recursos extraordinários
para manutenção deste patrimônio cultural do Estado de São Paulo.
Eles lembraram que a cultura de um país é a essência deste
país. Nenhuma grande civilização, hoje em existência, ou nos séculos passados,
conseguiu deixar marcas douradoras na história sem desenvolver e manter uma
cultura forte e marcante. Em muitos exemplos, depois de cair militarmente,
essas civilizações deixaram uma cultura tão forte que influenciaram aqueles que
os sucederam.
Manter o legado cultural de um país fica ainda mais difícil
em tempos de crise. Na hora de perder o emprego, poucas pessoas se lembram da
música, das artes plásticas ou da dramaturgia. É só depois que eles vão sentir
falta da orquestra que sempre assistiam aos domingos, ou da galeria onde
passeavam às vezes para ver obras maravilhosas. Só depois eles vão lamentar
aquelas experiências que elevavam o espírito acima dos problemas do dia-a-dia.
É justo nesses tempos, quando tem menos recursos sobrando na
economia em geral, quando a política precisa defender a cultura. Porque a
cultura, junto com a educação, forma o futuro de um país. Hoje em dia é fácil
adquirir conhecimentos - existe o Internet, e lá dentro dá para achar quase
todas informações que existem no mundo, mas é a cultura da pessoa que determina
como são usados esses conhecimentos: se eles serão usados para o bem de todos,
da sociedade e do país em geral, assim ajudando o progresso, ou se serão
desperdiçados para o bem (ou às vezes, o mal) próprio.
Hoje a minha esperança na humanidade foi renovada.